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O coronavírus no mundo náutico e seus impactos no mercado brasileiro

 

A pandemia do novo coronavírus que assolou o mundo nos últimos meses afetou praticamente todos os países e economias do mundo, causando grandes transformações na vida das pessoas e em diversos setores e atividades – incluindo a náutica. Diversos países adotaram diferentes protocolos sanitários e medidas restritivas (em especial o isolamento social) para retardar o contágio da doença e diminuir a velocidade de disseminação do vírus com o objetivo de ‘achatar a curva’, permitindo que o sistema de saúde não colapsasse, como no caso da Itália e do Equador, por exemplo.

A maioria dos países europeus optou por restringir o turismo e o lazer náutico devido ao surto de contaminação que devastou vários países do bloco europeu, principalmente a Itália, a França, o Reino Unido e a Espanha, países com enorme potencial turístico e com alta concentração de marinas, barcos e iate clubes. Após o controle da infecção pelos países europeus, o relaxamento das medidas de isolamento social começaram a ser feitas.

Na França e na Croácia, por exemplo, a navegação já foi liberada, inclusive para o sistema de charter. Na França, em decreto publicado no dia 9 de maio, o Primeiro Ministro, Édouard Philippe, condicionou o embarque do passageiro à entrega de uma declaração juramentada atestando que ele não apresenta nenhum sintoma de infecção pela Covid-19. Caso contrário, o acesso pode ser recusado. A autorização é extensiva a barcos de bandeiras de outros países que já estiverem atracados em águas francesas, desde, é claro, que elas sigam as regras sanitárias definidas pelas autoridades de saúde. Por sua vez, a Croácia deu sinal verde para a navegação por meio de um decreto do Ministério do Mar, dos Transportes e das Infraestruturas, publicado no Diário Oficial dia 20 de maio. A partir dessa data, todos os barcos podem tanto sair para navegar a passeio como operar pelo sistema de charter, inclusive cruzando as fronteiras do país, conhecido como a ‘Pérola dos Balcãs’. Para isso, o comandante do barco deve apresentar a lista de tripulantes e passageiros.

Nos EUA, país com maior número de casos confirmados da Covid-19 no mundo, mesmo durante o famoso ‘lockdown’ nenhum americano foi impedido de acessar a sua embarcação ou de navegar, uma vez que os americanos enxergam o barco como uma extensão de suas casas, ou até mesmo a sua própria casa, pois muitos americanos residem dentro de um barco. Alguns serviços náuticos foram suspensos no período de ‘lockdown’, porém muitos donos de barco fizeram o isolamento social embarcado, seja sozinho ou com sua família.

A Austrália comemorou essa semana o relaxamento das restrições para passeios de barco após sinais encorajadores de contenção da Covid-19. Agora é permitida a navegação de recreio sob critérios de distanciamento físico. Pessoas que moram na mesma casa ou são da mesma família podem navegar, mas devem manter um distanciamento mínimo de 1,5 m com os outros. Embarcações comerciais e charter já podem operar, mas devem garantir que operam com as restrições associadas à sua categoria de negócios e com os requisitos de distanciamento social exigidos. Com mais de 20% de todos os australianos envolvidos em alguma forma de atividade náutica anualmente, sair na água é um modo de vida para muitos australianos e uma parte importante da recuperação social, física, mental e econômica da Covid-19.

A ilha de Hong Kong (ex-colônia britânica no sudoeste da China e famoso ponto turístico internacional) possui uma paisagem natural que lembra bastante a do Rio de Janeiro, com uma grande baía e um porto movimentado. Durante a pandemia o número de barcos navegando em sua orla caiu muito, porém as empresas de fretamento de iates, lanchas e veleiros permaneceram em operação durante todo o tempo. Após o controle da contaminação pelo novo coronavírus, a navegação voltou a aumentar muito na Baía de Sai Kun, inclusive com pessoas locando barcos e dormindo a bordo. Apesar do movimento ainda não ter voltado ao normal, os barcos estão voltando para alegria dos amantes náuticos. Porém, o retorno à vida náutica normal ainda depende do fim de restrições a centros esportivos e recreativos e escolas de vela, que aguardam ansiosamente o sinal verde.

Já aqui no Brasil a situação foi bem diferente do resto do mundo. Em função da desorganização jurídica e política promovida pelo descompasso entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, cada estado e cada município brasileiro adotou sua própria política sanitária para combate ao coronavírus, criando insegurança jurídica e arbitrariedades por parte de alguns prefeitos e governadores. Cidades litorâneas com alta concentração de barcos e marinas como Santos, Guarujá, São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Paraty, por exemplo, chegaram a impedir o acesso de pessoas de outras cidades e algumas delas chegaram inclusive a fechar marinas e iate clubes, impedindo o acesso dos proprietários e dos marinherios às embarcações e serviços de manutenção por parte dos prestadores de serviços. Vários barcos ficaram sem manutenção deteriorando e oferecendo risco inclusive ao meio ambiente.

Em Ilhabela, por exemplo, foram tomadas medidas totalmente impositivas e arbitrárias, com a prefeita local bloqueando o acesso à ilha – via balsa – de pessoas de fora (inclusive residentes), fechando marinas, impedindo barcos de sair para navegar (apesar da marinha brasileiras não restringir a navegação em todo litoral brasileiro) e chegando ao cúmulo de ordenar – via decreto – uma quarentena de 14 dias para pessoas que entrassem na ilha e não fossem moradores, constituindo uma grave violação ao direito fundamental de ir e vir. Outras cidades litorâneas dos estados do NE, SC e PR que também possuem atividades náuticas recreativas adotaram medidas de isolamento social e não aglomeração. Algumas cidades como Florianópolis e Balneário Camboriú autorizaram a utilização dos barcos que estavam na água, porém impediram o ‘sobe-e-desce’ de barcos, impossibilitando a utilização de barcos que são guardados no seco.

A cidade de Angra dos Reis – um dos maiores polos náuticos do país – não fechou marinas e não restringiu a manutenção e o uso de embarcações, porém orientou que os proprietários de barcos não levassem convidados à bordo (somente familiares) e impediu o lazer náutico, o turismo e o aluguel de barcos na região. Com o aumento dos casos de infecção pela Covid-19 nos últimos dias, porém a Prefeitura de Angra dos Reis endureceu algumas medidas e publicou um novo decreto (decreto No. 11.646 – De 25 de maio a 8 de junho). Além de proibir uma série de atividades econômicas – com exceção das essenciais, como farmácias, supermercados, açougues, peixarias, e hortifrutigranjeiros, distribuidores de gás e água mineral, postos de combustível, transportadoras de alimentos, serviços de saúde – o decreto amplia a restrição às atividade náuticas. Até agora, estavam proibidas apenas atividades náuticas de turismo e o acesso de turistas às águas de Angra. A partir de agora, fecham também as operações nas marinas (públicas e privadas), iate clubes, além de lojas e mecânicas náuticas. A nova ordem passa a valer até o dia 8 de junho. O prefeito angraense alertou também que fiscalizará as águas de Angra dos Reis, da Baía da Ilha Grande e as ilhas, para que não haja aglomerações, seja de barcos ou de pessoas. Também haverá restrição à circulação de pessoas e veículos na cidade após as 22 horas, salvo nas hipóteses de atendimento médico-farmacêutico e dos agentes públicos no exercício da função. Os estabelecimentos empresariais que violarem quaisquer das regras serão multados e poderão receber suspensão temporária da licença de funcionamento (alvará).

Apesar de muitos desafios em função da pandemia, o mercado náutico brasileiro terá que se ajustar ao ‘novo normal’ para poder navegar em novas águas. Após vários anos de contração do mercado em função da grave crise econômica que assolou o país nos últimos anos, o ano de 2020 começou em clima de otimismo pelo setor náutico, com a economia do país dando sinais de estar entrando nos trilhos e a expectativa de um crescimento próximo a 2,5%, porém após a chegada do vírus chinês algumas projeções falam em retração de 6% do pib. De acordo com a Acobar, a associação que representa os construtores de barcos no Brasil, a previsão de faturamento para o setor em 2020 era de US$ 1,5 bilhão, mas aí veio a pandemia da Covid-19 e a economia mundial praticamente parou, trazendo oceanos de preocupação para todos.

Ainda segundo a própria Acobar, um barco de médio porte gera em média 8 empregos diretos e indiretos, uma vez que além da construção artesanal um barco demanda marina, marinheiro, mecânico, despachante, assistências técnicas, escolas náuticas, brokers, operadores de charter, etc. No Brasil temos 670 mil barcos em circulação e aproximadamente 1 milhão de habilitações náuticas. Temos um litoral riquíssimo em fauna, flora e bacias hidrográficas propícias à navegação costeira, com águas abrigadas e quentes, belíssimas praias e milhares de ilhas. Temos em média 1 barco para cada 400 habitantes, a Europa tem em média 1 para cada 50 habitantes e os EUA 1 para cada 23 habitantes. Isso mostra o enorme potencial de crescimento que temos pela frente.

Está provado que o esporte de barco em todas as suas formas é bom tanto para a saúde mental quanto física e é uma atividade de baixo risco que pode ser desfrutada ao mesmo tempo em que se adere às regras físicas de distanciamento e higiene. A reativação da navegação também começará a reparar o setor náutico, que está estreitamente alinhado ao turismo, e está sofrendo com demissões de funcionários e fechamento de negócios como resultado da pandemia.

Com o surgimento de novos modelos de negócios para fomentar o acesso e a ‘democratização’ do meio náutico – abrindo este universo a um maior número de pessoas – como o charter e o compartilhamento náutico que começa a se tornar uma realidade no país, a higienização redobrada, o uso de máscaras e um rigoroso processo de esterilização antes do uso, bem como a testagem dos marinheiros para a Covid-19 e o respeito ao distanciamento social, podemos aproveitar essa oportunidade ímpar para nos reaproximarmos das pessoas que mais amamos e continuar navegando por roteiros incríveis sem preocupação, se divertindo com total segurança e liberdade.

Não nos desanimemos!

Conrado Christiansen

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